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O Poeta Erótico

05.07.23

tapa-se o pudor do peito com um pedaço de tecido
a nada reduzido, langor imperceptível
um V de vórtice invertido enrolou-me
na epilepsia crónica do mar azul

que ulisseia haver uma ilha em cada corpo, em
cada corpo a promessa de retorno, o orgulho
ferido exposto, convidativo, abrindo jardins
da Babilónia, cravando runas na memória

a maré encheu, apertaram-se toalhas o odor
de coco e fruta intoxicou-me como o sol a pique
ardi febril, enjaulado felino, um verso rugi
de tigre a isolar-se na selva branca embrutecido de tédio

há metáforas húmidas nas conchas e nos búzios
o mar também julga enrolar-se nas
pernas de Joana D'arc perfeita na praia
por olhares agudos e matemáticos, de visita de estudo

lentamente o bar abriu como a estrangeira loira
deitada na toalha vermelha lírio pálido adoecido
numa cama de sangue rubro, aterrada por
acidente num filme mudo de amor repetitivo

abriu os olhos, desenhou-se no ar um arco iris
austero, delimitando a fronteira entre olhar
para ver e olhar sem poder ver para lá do
horizonte, teleférico avariado na imaginação

abro os olhos, sigo as moléculas translúcidas
que deslizam no céu azul vibrantes como
crianças felizes em escorregas abrindo-me
no peito as amplas asas da dolorosa infância

mantenho-me no anonimato, eu que me chamo
Eugénio, não sou génio, faço parte desta praia
grão de areia, grão de nada que é tudo, plano
só num escaldante deserto sem vulto que passe

durmo a pensar que existo na quietude
dos jardins botânicos e bibliotecas públicas
vou a casa de alguém para ver-lhe os livros
levar-lhes versos crípticos que nos descodificam

Ó mar, meu médico de clínica geral, imenso
monarca azul, para lá do que é cósmico e infinito
virei ver-te quando os dias forem como
ventos favoráveis de mobilidade flexível

e maleável como este ginasta que se inverte
de peito cheio jovem vigoroso, arauto dos
abismos infernais, anunciando o patrocínio
da mudança irreversível, renovada, fully upgraded

quererei saber o ritmo furioso com que bates
nas rochas, com montanhas e planícies de água
o ar de sal fende-me as narinas finas
passeio nas horas incultas de ondas de espuma

26.05.23

 

Se o amor marcar encontro então que venha
cansei-me seguir-lhe o rasto críptico
levanto-me de manhã e beijo as faces
da Saudade, quem me encontrou primeiro
numa viagem rumo ao infinito

faço-lhe sonetos ao pequeno almoço
chamo-lhe nomes meigos, e no conforto
da preguiça felina volto aos lençóis
fechando livros do passado, no aconchego
deste amplexo ausente de gravidade

apresso-me a sair de casa, à procura do jornal
editado pelos rostos dos outros que se cruzam
comigo e nunca falham, em falhar-me
no cumprimento cordial de sol empreendedor
sem anomalia cognitiva

não vou punir-me mais porque deixei
lembranças nos versos escritos em papel
de lábios, de boca fecunda, em tinta
onde entornei tanta ternura
esparsa, sem complexo compromisso


a chuva nevrálgica fustiga o telhado
o cume da metáfora idílica incomparável
o aglomerado arvoredo entre as casas brancas
o guincho metálico da grua esquálida
o princípio do poema sem meio e fim

ando de um lado para o outro e a musa
não acorda e o amor é esta brancura por
explorar, terra incógnita, de floresta densa
do desonhecido íntimo que, incediada
arderá em verso igual ao coração.

e quando o sol entorna oblíquos raios
enterneço e caio na cadeira onde me
sento e canto as linhas verdes desta serra
onde de súbito, saída do silêncio
vem sentar-se ao colo a gata Solidão

 

06.07.22

Capture.PNG



preso por um fio solto

quando te vi translúcida
a vir com a luz matutina
de mexer no logarítmo
que é a minha vida
baça sempre lúcida

trazias nos olhos o mar
na pele branca areia fina
o orgulho dos cabelos
(des)penteados pelo vento
marítimo e desigual

é como se viesses socorrer-me
do naufragio que era pensar
em ti e, no fundo, parasses
a desigualdade entre o
o bem de ser possível
e o mal do impossível

tens a palavra passe para
entrares no meu coração
peço-te um dia
de luz divina e vibrante
persistente a derreter
a densa treva que é
a minha solidão

 

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