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O Poeta Erótico

24.11.23

Ela reduz a nada a luz da manhã
com seus braços nus,
com seus ombros firmes
cria rotinas diárias como a deligência dos pássaros
que de ramo em ramo, de rua em rua
juntam-se ao eterno cântico que celebra a vida

nem o espelho sabe o que ela pensa
nem ela sabe bem o que ela própria pensa
nem eu sei o que ela pensa
mas sei bem que ela sabe bem

lembra-me o tempo que
jogávamos às escondidas
e brincávamos à penumbra e
à sombra um do outro cujas
figuras geométricas
se projectavam nas paredes
como esqueletos dançando
atrás de biombos de luz febril

as minhas mãos
desenham no ar sinuosas curvas
como se o amor fosse mármore
e a dor e a verdade viessem
do vácuo num leve murmúrio

21.11.23

Junta-te a nós, doce criatura
acalenta-nos

abriram-se as bocas dos búzios
odoríferos num entrelaçar confuso
de pernas e braços e dedos
ó fervor no ritual etrusco, que mal existe
no acalentar das almas, no ruir dos corpos

a dor não está nos poemas dos poetas, mas à volta
seráfica sereia, e tu, vieste ver-nos, esperando pela vez
de receber as nossas vidas na tua boca morango e
cada vez mais cheira a búzios abertos neste quarto
cada vez é maior a noite quente e húmida
cada vez é maior o meu afecto fecundo

serão o meu pomar, carpe diem, colherei o fruto
o proibido é permitido, levem-me à boca
o vosso fruto suave donde brota a vida
largo o leme do barco, nem que Cila nos desfaça

rasgo o meu peito, no erotismo do
arco íris líquido do átrio azul profundo
ali amaram-se deuses, deixaram presença num
rasto colorido de gotículas fixas
quão maior o amor celeste, sonho que um dia
rasgarei o plasma das estrelas para abraçá-las
uma a uma, metamorfoseando-me numa estrela

onde estava a tua decência quando passaste por
aquela porta, biombo que separava as nossas vidas?
onde estavas quando o sol te procurou para
beijar-te esses ombros brancos decididos?
onde estávamos quando a vida por milagre
erótico nos sussurrou ao ouvido
porque não?

 

16.10.23

Não desesperei que o verso aparecesse à tarde
igual à raríssima raposa à porta de entrada
da casa de campo há séculos em ruínas

nem convinha que sustesse a respiração
debaixo de água na turva imaginação
à procura de ninhos desconhecidos

não ofereças resistência ao delito ousado
de roubar ao vizinho um cacho de uvas
quando as metáforas escasseiam

revelarei segredos depois da lápide erguida
escrita na indiferença da chuva que
fustiga o refúgio do homem santo sem tecto.

incrível, guardei tudo, não esqueci nada
bebi rios inteiros de uma garrafa
aberta, derramando a vida sobre a morte

celebrou-se mais um ano
que é mais menos que mais
no entardecer de púrpura sonolência. Voltaste

caíste sobre mim como um véu diáfano
de seda nova que algum mercador tivesse
esquecido entre pedras e cardos num retrato

o teu amor agigantou-se, a sobreposição
da tua sombra, o eclipse do meu corpo
pela frescura do teu corpo, como soavam

sapos príncipes no lago à espera do beijo
aves trocistas no enlanguescer dos deuses
como me doía o riso de mim próprio

como eras bela e terrível se movesse
para fora da cama o meu corpo cansado
de tórrida arqueologia, onde floria a bunganvília

à entrada do templo verde que são teus olhos
aquosos da atmosfera húmida
dos beijos nascidos de um segredo.

não olhes ainda as horas, põe de lado o livro
de fenómenos terapeuticos que no tempo,
valerão menos que os versos que escrevemos juntos.

08.08.23

Estou deitado no poema que escrevi
desfibrilou-se o verso para que continuasse vivo
prolongo-me neste sossego nocturno bebendo sôfrego
o silêncio das sílabas coladas nos lábios secos, olhando
o teu corpo que flutua nos lençóis de luar e suor

nas noites quentes de vígilia, pensar é
a ventoinha ligada que agita o ar imóvel
traz-me a frescura do teu sorriso adormecido
no berço do passado.

Sonhei que teu corpo flutuava
ilha solitária no berço azul, sem rumo
como uma Hespéride, perdida na asa do Zéfiro
não falemos do que a Lua fez ao teu corpo
de luz luciferiana de mármore polido
falemos dos meus pensamentos absurdos que
desfilaram como um exército desfilando
por debaixo de um Arco de Triunfo sem triunfo

ó fome que me acabo cedo e tarde me inicio
desvinculado aos ponteiros do relógio cujo
tempo é o meu rufar cardíaco e ansioso de um dia
voltar a sentir o teu seio pousado no meu peito
e ouvir o teu piar de ave alegre de manhã,
como se chamasse a própria vida a viver dentro dela.

fico como o morcego que passa perto do candeeiro
para lá, para cá, no silêncio emudecido, à procura
do soneto escrito com os dedos na tua pele láctea
que, ao tocá-la, parece que foi tocada pela Via

dei abrigo na cabeça a todos os fantasmas
de sementes passadas e frutos futuros
desenhei gárgulas terríveis que afugentassem
a morte quando as nossas bocas se encontravam
tímidas pós discussão, sôfregas quando a
saudade é um quarto almofadado insalubre

nas noites dolorosas, colo-me ao chão
escuto o batimento cardíaco da terra e da vida
à espera que irrompa e rebente do meu coração
uma bunganvília luxuriante em verso purpúreo

que Dafne em fuga és tu, faço círculos concêntricos
à tua volta para amar-te e a tua resposta
são ramos secos e folhas quebradiças

sem o viço verde das folhas de louro, dos teus braços brancos
é quando a treva mais se adensa e a luz não penetra
tesouro sem mapa, lugar sem x
onde o meu suor escorre e a minha dor termina

 

05.07.23

tapa-se o pudor do peito com um pedaço de tecido
a nada reduzido, langor imperceptível
um V de vórtice invertido enrolou-me
na epilepsia crónica do mar azul

que ulisseia haver uma ilha em cada corpo, em
cada corpo a promessa de retorno, o orgulho
ferido exposto, convidativo, abrindo jardins
da Babilónia, cravando runas na memória

a maré encheu, apertaram-se toalhas o odor
de coco e fruta intoxicou-me como o sol a pique
ardi febril, enjaulado felino, um verso rugi
de tigre a isolar-se na selva branca embrutecido de tédio

há metáforas húmidas nas conchas e nos búzios
o mar também julga enrolar-se nas
pernas de Joana D'arc perfeita na praia
por olhares agudos e matemáticos, de visita de estudo

lentamente o bar abriu como a estrangeira loira
deitada na toalha vermelha lírio pálido adoecido
numa cama de sangue rubro, aterrada por
acidente num filme mudo de amor repetitivo

abriu os olhos, desenhou-se no ar um arco iris
austero, delimitando a fronteira entre olhar
para ver e olhar sem poder ver para lá do
horizonte, teleférico avariado na imaginação

abro os olhos, sigo as moléculas translúcidas
que deslizam no céu azul vibrantes como
crianças felizes em escorregas abrindo-me
no peito as amplas asas da dolorosa infância

mantenho-me no anonimato, eu que me chamo
Eugénio, não sou génio, faço parte desta praia
grão de areia, grão de nada que é tudo, plano
só num escaldante deserto sem vulto que passe

durmo a pensar que existo na quietude
dos jardins botânicos e bibliotecas públicas
vou a casa de alguém para ver-lhe os livros
levar-lhes versos crípticos que nos descodificam

Ó mar, meu médico de clínica geral, imenso
monarca azul, para lá do que é cósmico e infinito
virei ver-te quando os dias forem como
ventos favoráveis de mobilidade flexível

e maleável como este ginasta que se inverte
de peito cheio jovem vigoroso, arauto dos
abismos infernais, anunciando o patrocínio
da mudança irreversível, renovada, fully upgraded

quererei saber o ritmo furioso com que bates
nas rochas, com montanhas e planícies de água
o ar de sal fende-me as narinas finas
passeio nas horas incultas de ondas de espuma

26.06.23

Bebi-lhe a sua tristeza molhada e pura
enquanto lhe ardiam as lágrimas no rosto          
não aceitei que anoitecesse no quarto e
entornei-lhe pelo corpo nu um jarro de luz

não deixei que tacteasse o passado e caísse
embriagada de pranto, saltava de palavra em
palavra, de pedra em pedra, de beijo em beijo
ouvindo o ar que lhe saía e entrava nas narinas

escapava-lhe dos lábios húmidos o meu nome
soltando-se do seu rosto um pássaro de fogo
que se despenhou no meu mundo de espectros
incendiando-o, num abrir e fechar de vagina

esmagou-me o peito, apertava-me excitada e
enraivecida de súbito subia enlanguescida
soprando-me ao ouvido que não haveria
amanhã nem depois, só o jogo de morte súbita

aquele girassol abria-se e fechava-se
ao sol e à sombra que fazia dela própria
eu era a terra onde ela vinha esconder o passado
e o silêncio de ouro que lhe dourava o peito frio

escrevemos os dois histórias românticas de
simples enredos e fluídos onde sabíamos
que os heróis morreriam no fim numa casa
de luz acesa e de rosto colado à janela

26.06.23

O problema é como o sangue se amotina
rio desaguável a sul sem mar que desaguar
fosses essa massa imensa azul
e convergisse fluentemente até a ti

que desumano ser humano
ter sangue, o corpo ser sinal de vida e sal
anulamo-nos, morremos incultos
sem nunca receber luz verde no desejo

agrilhoar impulsos, meter cadeados nas paixões
algemar mistérios, afundar segredos, sucumbir 
impele-me a ser lascivo por rebeldia erótica
lúbrica corrente artística que há no erotismo

banheira que flutua onde a mulher nua vê-se
na espuma, a tontura da água o peito túrgido
a acelaração de partículas os dedos as dobras
submundo aberto, alegoria da caverna quente

a linguagem gestual dos dedos confunde-nos
nesse fundo infinito como mar homérico
onde em dlírio num dilúvio desaguava
no canal aberto em tumulto me recebesses

culpa o ardor do sangue, nas pedras nos pulsos
num interrogatório enigmático sem perguntas
o corpo sintoniza o outro corpo numa banda
de frequência febril no temível desconhecido

que planta carnívora me tornei, sinto-me capaz
devorar insectos, ou a ti com camaleónica língua
a que cheiram os teus lençóis mornos de ti
e da tua ternura subaquática e marítima

14.06.23

 

Que facínora do sentir nos doma e guia
que falso imperador nos faz gritar por Marte
que mal de Copérnico gira noite e dia
espalhando a sombra indecisa em toda a parte

quem nos controla, nos enreda numa teia
fácil de tecer, difícil de desenredar
que mal universal herdámos de Pangeia
que eternamente gira o mundo sem parar

é de noite que nos sonhos nos visitam
polvos verdes com horríficos tentáculos
é de dia que os sentidos mortificam
vertiginosa queda livre do pináculo

que novo fogo de artifício da inteligência
nascida para ser um novo deus na terra e
substitui o amor por mecânica excelência
que nova maligna semente nos influi

eu não pedi nenhum jardim da babilónia
que viesse em forma de amor mecanizado
eu recuso-me a dormir em quartos de insónia
gosto manter-me vivo, lúcido, apaixonado

o sorriso lunático do filantropo dá-me
náuseas e tonturas meu estômago é fraco
quando querem que eu coma sem ter fome
quando exigem que na cabeça enfie o saco

sentir a vida correr frenética nos pulsos
há melodias no sangue rubro que me encantam
há quem lute para que demónios sejam expulsos
há cânticos e orações que não os espantam

a imagem do sangue rubro na branca neve
lembra-me livros que li quando era novo
insustentável forma de viver-se leve
a ver o lobo devorar a lírica do povo

que magno deus define o que é verdade ou não
com olhos incendiados que nos range os dentes
que mago nos lançou feitiços de ilusão
vivendo à custa do Silêncio dos Inocentes

 

10.06.23

És ainda mais bela que a Lua melancólica
e escrevi sobre ela há líricas passadas...

escorriam-lhe lágrimas de sangue quando te viu
perguntou enlouquecida ao espelho do Tejo
quem das duas era a mais bela, tipo a Páris
e o prateado rio, ó Tágide, respondeu-lhe
honesto que eras tu, nova Délia.


o ritmo dos teus passos dúcteis
deu-me aos versos ritmo, versos
peregrinos a caminho da
corrente sanguínea nas veias
do poema, que te leva aos lábios finos
um ligeiro sopro primaveril
no palácio suspenso dos meus sonhos
onde a luz não chega o meu beijo secreto


da varanda vi a vida a vir
tu em forma de vida,
eu em corpo de nada
tu em ritmo constante
eu em memória fluente
e se o poema tivesse asas diria
que o levaria a pousar-te no ombro
delicado uma ave de uva no bico
a levar-te à boca, a gota de água
na garganta seca, e fosse
líquido poema infinito e repousasse
o rosto nos teus olhos sinceros.

à noite por costume encerro as pálpebras
abrindo as janelas do meu imaginário
sonhando dizer-te que foi o amor magnético
amigo impúdico que nos empurra pelas costas
para fora da nossa íntima alegórica caverna

curto circuito no poema
fiquei às escuras, tacteio
a treva à procura da vela
de clarão redondo
que no mínimo ilumina a aresta
do que penso quando passaste
de dia e que a noite me chamou
enquanto serves sorrisos ao jantar

 

06.06.23

Soma mais este momento, meu amor
que desfio as mãos por baixo da camisola
e te escovo as costas macias e os longos cabelos
como crina de cavalo

No ínicio éramos pacíficos e lagos
parados em dias de sol ardente
depois vencemos os trezentos espartanos

no desfiladeiro escuro do preconceito
passando aos debates e protestos em
assembleia geral nos lençóis de linho fresco

que te aconteceu, sorris mais, a tua boca
é mais diversa que um mercado marroquino
teu beijo flui como correntes águas do Niágara
eu que nunca visitei o Niágara digo-te que já lá fui através de ti
meu Niágara.

parti para ti como quem parte
para uma partida de xadrez
que vontade dolorosa encurralar-te já
cresço-me supero-me empertigo-me
antúrio à procura da orquídea erótica
soma mais este momento, meu amor
somos anónimos milionários não digas a ninguém
o verme logo invade a rosa ao florescer
no fim viajámos mais um no outro
que falsos filantropos trilharam o mundo

mas não me sai do pensamento
a tua boca livre e o seio à solta

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