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O Poeta Erótico

26.06.23

Bebi-lhe a sua tristeza molhada e pura
enquanto lhe ardiam as lágrimas no rosto          
não aceitei que anoitecesse no quarto e
entornei-lhe pelo corpo nu um jarro de luz

não deixei que tacteasse o passado e caísse
embriagada de pranto, saltava de palavra em
palavra, de pedra em pedra, de beijo em beijo
ouvindo o ar que lhe saía e entrava nas narinas

escapava-lhe dos lábios húmidos o meu nome
soltando-se do seu rosto um pássaro de fogo
que se despenhou no meu mundo de espectros
incendiando-o, num abrir e fechar de vagina

esmagou-me o peito, apertava-me excitada e
enraivecida de súbito subia enlanguescida
soprando-me ao ouvido que não haveria
amanhã nem depois, só o jogo de morte súbita

aquele girassol abria-se e fechava-se
ao sol e à sombra que fazia dela própria
eu era a terra onde ela vinha esconder o passado
e o silêncio de ouro que lhe dourava o peito frio

escrevemos os dois histórias românticas de
simples enredos e fluídos onde sabíamos
que os heróis morreriam no fim numa casa
de luz acesa e de rosto colado à janela

26.06.23

O problema é como o sangue se amotina
rio desaguável a sul sem mar que desaguar
fosses essa massa imensa azul
e convergisse fluentemente até a ti

que desumano ser humano
ter sangue, o corpo ser sinal de vida e sal
anulamo-nos, morremos incultos
sem nunca receber luz verde no desejo

agrilhoar impulsos, meter cadeados nas paixões
algemar mistérios, afundar segredos, sucumbir 
impele-me a ser lascivo por rebeldia erótica
lúbrica corrente artística que há no erotismo

banheira que flutua onde a mulher nua vê-se
na espuma, a tontura da água o peito túrgido
a acelaração de partículas os dedos as dobras
submundo aberto, alegoria da caverna quente

a linguagem gestual dos dedos confunde-nos
nesse fundo infinito como mar homérico
onde em dlírio num dilúvio desaguava
no canal aberto em tumulto me recebesses

culpa o ardor do sangue, nas pedras nos pulsos
num interrogatório enigmático sem perguntas
o corpo sintoniza o outro corpo numa banda
de frequência febril no temível desconhecido

que planta carnívora me tornei, sinto-me capaz
devorar insectos, ou a ti com camaleónica língua
a que cheiram os teus lençóis mornos de ti
e da tua ternura subaquática e marítima

05.05.23

191104_r35263.webp

uma gata deitada no sofá,
vestida de céu descoberto
que me viesse ela parar ao colo...

os lábios mexem-se sensuais
procuram silêncios mordidos
pela penumbra do quarto

um livro atirado ao chão:
esperou por mim, lá fora
o vento sopra delinquente

o látego sacode-lhe a cauda
mostrando o perigo da
curva e contra curva

alinham-se cartas e astros
entrechocam-se peitos
os olhos fecham-se, abrem-se os sonhos

num beijo fálico que desagua
no rio Tejo, por onde mais
não se desce, o mar

esse beijo-o, ostra à mostra
prostra-se em posta
na durabilidade da língua

devagar se fazem impérios
num ápice desmancham-se prazeres
a Morte que fique à escuta atrás da porta

escrevi sonetos

na pele de leite e rosas
com dedos humedecidos

procuro-me no perfeito
encaixe, redimo-me,
no ir e vir de chuva e fogo

no revirar dos olhos
sacudo-me inteiro
depois que exorcisei o remorso

onde está a gata sentada
que era outra quando entrei
no quarto escuro dela

17.11.22

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Sonhei que eras a cidade branca

Erótica, eu um peregrino que te visitava, que
me embrenhava em todas as ruas e mistérios
recônditos fixando os nomes de cada rua
estreita, que havia sonhos dentro de ti
cafés, lojas e bazares iluminados de luzes trémulas
sonhei que os teus seios eram museus, visitei-os
molhei-os de saudade e ternura, porque havia tempo
para atravessar pontes, donde corria um rio direito
de água transparente, sonhei atravessá-lo, vê-lo por
onde seguia, misterioso, odorífero - num ângulo agudo,
convergi para onde o rio crescia, desaguando-me nas mãos
trémulas, folhas outonais, e este beco escuro, de lume aceso
aqueceu-me o coração gelado pelos rigores da vida
aceso entrei, determinado decidido a
permanecer, ergui-me, por um momento pensei
que flutuava num balão de ar quente, deslizando
pelo paraíso que era aquele lar ferido
que mal chega para um, minúsculo, porém, 
fervilhando de vida, de vida a enrolar-se e
embrenhar-se no tempo, sem fio, a perder-me de vista
e lambia esse momento com língua de gato
com língua de chuva, ao fundo a lua erguia-se
de boca aberta, masturbava-se, se enfiando num céu
preto de tinta da china, entre lençóis de nuvens. 
que cidade eras! que capital do desejo, que sumo
saiu de ti e de mim, que festas e bailes havia 
nos teus seios cheios, pintalgados de estrelas
de aurora boreal experimentei no teu sexo
molhado, nos teus ombros firmes, hipoptético
sentimento de tigre quando a presa caça. Hei-de 
visitar-te mais vezes, flor de charme, que és tu
cidade branca no cimo do monte que é o tempo

24.10.22

9.jpg



Escorre-me nos dedos o sumo
cítrico quando aperto
a fruta madura. O gemido
move-se devagar na tua

garganta, revestida de
pescoço de cisne a pele
láctea e rosas cujos seios
empertigam-se como dálias

lívidas, teu corpo, que instrumento
musical és tu! És tu a música
da qual me vicio, mística
de palavra aberta ao meio

há na cama resolução de problemas
anseios infinitos, discursos mudos
cheiros no ar de químicas criadas
mistura de lábios e sexos

falar é a seca extrema, beijar
é a chuva entrecortada entre
o vidro dos olhos e o lume
dos nervos. Que o tempo cesse

o pânico que o início acabe
a síncope na hora da ternura
a fricção dos corpos destilados
num fogo poético qualquer

05.10.22

1200.jpg




Tenho nas mãos

a lua reconciliadora
de boca aberta

nos becos escuros
cometem-se crimes
molhados e cítricos

corpo nimbado de
mármore de Paros
cinzelado de poesia

mámore macio
de arestas finas e traços
nobres de olhos sábios

brilho felino sedutor
de angulosos olhos
fatais de punhais agudos

aberta a pálpebra
de róseos traços
de langores húmidos

ó mulher cativa
nas minhas mãos,
predadora ou presa

agora entendo como
o leopardo ama, de
espinho em riste









Imagem retirada da net

 

27.09.22

 

uvas.jpg



Tens versos que anseio colhê-los com as mãos

e os meus dedos a escorrerem seiva tépida
excessivamente encharcados de ti, cheirando
a iodo acre e mel turvo

os versos devem ser os braços de Anfitrite
quando vem nos seus cavalos brancos
de braços estendidos de espuma

versos de ventosas de polvo ávido que agarram, sugam, sufocam
como peixe a debater-se fora de água. o estremecer da terra
não me sacia, quero o vulcão explosivo em erupção
expelindo lava ardente, tornando fértil o solo de húmidos lençóis.
Como escavar a terra com as duas mãos
faz-se um buraco, mete-se a mão no fundo e remexe-se
com as pontas dos dedos, assim quero encontrar-te água
esse verso perfeito de músculos retesados que explode
quando se sente o fundo no fundo do profundo,
a carne é duradoura, o verso imperecível
por isso recebe-me, uma, outra, e outra vez ainda
por isso puxa-me, ó campo magnético, faz-me desaparecer
no triâgulo oculto das Bermudas, no teu canal de Suez
onde apertado deslizo inteiro dentro de ti.
se fechar os olhos sinto a pele arrepiada
o motim da carne, a alegria túrgida dos teus seios
a contração das coxas, a lentidão da noite
caindo em ti, sol vertiginoso de inverno de ouro
colho-te o fruto, que o fruto na boca amarga a morte
o odor dos búzios confunde a tristeza, entedia o tédio
vire-se uma cruz ao contrário quando te crucifico
num pau duro que enrijecera da tua imaginação.
Tu, ilha flutuante secreta num imaginário azul
tu, arquitecta do marmóreo desejo endoidecido 
tu, musa impalpável, apalpo-te em verso
suturo a ferida das rosas com o espinho agudo do corpo
cubro o vazio no vácuo de vinil, sinto o
batimento do teu coração quando estremeces
gemes como apertado fole um som emite
tornamo-nos imunes ao tempo, vindimámos
as uvas de luxúria, encravámos as horas
sai-me em verso a serpente branca como se
apertasses a uva e salpicasse a tua boca de sumo

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