26.06.23
Bebi-lhe a sua tristeza molhada e pura
enquanto lhe ardiam as lágrimas no rosto
não aceitei que anoitecesse no quarto e
entornei-lhe pelo corpo nu um jarro de luz
não deixei que tacteasse o passado e caísse
embriagada de pranto, saltava de palavra em
palavra, de pedra em pedra, de beijo em beijo
ouvindo o ar que lhe saía e entrava nas narinas
escapava-lhe dos lábios húmidos o meu nome
soltando-se do seu rosto um pássaro de fogo
que se despenhou no meu mundo de espectros
incendiando-o, num abrir e fechar de vagina
esmagou-me o peito, apertava-me excitada e
enraivecida de súbito subia enlanguescida
soprando-me ao ouvido que não haveria
amanhã nem depois, só o jogo de morte súbita
aquele girassol abria-se e fechava-se
ao sol e à sombra que fazia dela própria
eu era a terra onde ela vinha esconder o passado
e o silêncio de ouro que lhe dourava o peito frio
escrevemos os dois histórias românticas de
simples enredos e fluídos onde sabíamos
que os heróis morreriam no fim numa casa
de luz acesa e de rosto colado à janela