16.10.23
Não desesperei que o verso aparecesse à tarde
igual à raríssima raposa à porta de entrada
da casa de campo há séculos em ruínas
nem convinha que sustesse a respiração
debaixo de água na turva imaginação
à procura de ninhos desconhecidos
não ofereças resistência ao delito ousado
de roubar ao vizinho um cacho de uvas
quando as metáforas escasseiam
revelarei segredos depois da lápide erguida
escrita na indiferença da chuva que
fustiga o refúgio do homem santo sem tecto.
incrível, guardei tudo, não esqueci nada
bebi rios inteiros de uma garrafa
aberta, derramando a vida sobre a morte
celebrou-se mais um ano
que é mais menos que mais
no entardecer de púrpura sonolência. Voltaste
caíste sobre mim como um véu diáfano
de seda nova que algum mercador tivesse
esquecido entre pedras e cardos num retrato
o teu amor agigantou-se, a sobreposição
da tua sombra, o eclipse do meu corpo
pela frescura do teu corpo, como soavam
sapos príncipes no lago à espera do beijo
aves trocistas no enlanguescer dos deuses
como me doía o riso de mim próprio
como eras bela e terrível se movesse
para fora da cama o meu corpo cansado
de tórrida arqueologia, onde floria a bunganvília
à entrada do templo verde que são teus olhos
aquosos da atmosfera húmida
dos beijos nascidos de um segredo.
não olhes ainda as horas, põe de lado o livro
de fenómenos terapeuticos que no tempo,
valerão menos que os versos que escrevemos juntos.