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O Poeta Erótico

26.06.23

O problema é como o sangue se amotina
rio desaguável a sul sem mar que desaguar
fosses essa massa imensa azul
e convergisse fluentemente até a ti

que desumano ser humano
ter sangue, o corpo ser sinal de vida e sal
anulamo-nos, morremos incultos
sem nunca receber luz verde no desejo

agrilhoar impulsos, meter cadeados nas paixões
algemar mistérios, afundar segredos, sucumbir 
impele-me a ser lascivo por rebeldia erótica
lúbrica corrente artística que há no erotismo

banheira que flutua onde a mulher nua vê-se
na espuma, a tontura da água o peito túrgido
a acelaração de partículas os dedos as dobras
submundo aberto, alegoria da caverna quente

a linguagem gestual dos dedos confunde-nos
nesse fundo infinito como mar homérico
onde em dlírio num dilúvio desaguava
no canal aberto em tumulto me recebesses

culpa o ardor do sangue, nas pedras nos pulsos
num interrogatório enigmático sem perguntas
o corpo sintoniza o outro corpo numa banda
de frequência febril no temível desconhecido

que planta carnívora me tornei, sinto-me capaz
devorar insectos, ou a ti com camaleónica língua
a que cheiram os teus lençóis mornos de ti
e da tua ternura subaquática e marítima

14.06.23

 

Que facínora do sentir nos doma e guia
que falso imperador nos faz gritar por Marte
que mal de Copérnico gira noite e dia
espalhando a sombra indecisa em toda a parte

quem nos controla, nos enreda numa teia
fácil de tecer, difícil de desenredar
que mal universal herdámos de Pangeia
que eternamente gira o mundo sem parar

é de noite que nos sonhos nos visitam
polvos verdes com horríficos tentáculos
é de dia que os sentidos mortificam
vertiginosa queda livre do pináculo

que novo fogo de artifício da inteligência
nascida para ser um novo deus na terra e
substitui o amor por mecânica excelência
que nova maligna semente nos influi

eu não pedi nenhum jardim da babilónia
que viesse em forma de amor mecanizado
eu recuso-me a dormir em quartos de insónia
gosto manter-me vivo, lúcido, apaixonado

o sorriso lunático do filantropo dá-me
náuseas e tonturas meu estômago é fraco
quando querem que eu coma sem ter fome
quando exigem que na cabeça enfie o saco

sentir a vida correr frenética nos pulsos
há melodias no sangue rubro que me encantam
há quem lute para que demónios sejam expulsos
há cânticos e orações que não os espantam

a imagem do sangue rubro na branca neve
lembra-me livros que li quando era novo
insustentável forma de viver-se leve
a ver o lobo devorar a lírica do povo

que magno deus define o que é verdade ou não
com olhos incendiados que nos range os dentes
que mago nos lançou feitiços de ilusão
vivendo à custa do Silêncio dos Inocentes

 

10.06.23

És ainda mais bela que a Lua melancólica
e escrevi sobre ela há líricas passadas...

escorriam-lhe lágrimas de sangue quando te viu
perguntou enlouquecida ao espelho do Tejo
quem das duas era a mais bela, tipo a Páris
e o prateado rio, ó Tágide, respondeu-lhe
honesto que eras tu, nova Délia.


o ritmo dos teus passos dúcteis
deu-me aos versos ritmo, versos
peregrinos a caminho da
corrente sanguínea nas veias
do poema, que te leva aos lábios finos
um ligeiro sopro primaveril
no palácio suspenso dos meus sonhos
onde a luz não chega o meu beijo secreto


da varanda vi a vida a vir
tu em forma de vida,
eu em corpo de nada
tu em ritmo constante
eu em memória fluente
e se o poema tivesse asas diria
que o levaria a pousar-te no ombro
delicado uma ave de uva no bico
a levar-te à boca, a gota de água
na garganta seca, e fosse
líquido poema infinito e repousasse
o rosto nos teus olhos sinceros.

à noite por costume encerro as pálpebras
abrindo as janelas do meu imaginário
sonhando dizer-te que foi o amor magnético
amigo impúdico que nos empurra pelas costas
para fora da nossa íntima alegórica caverna

curto circuito no poema
fiquei às escuras, tacteio
a treva à procura da vela
de clarão redondo
que no mínimo ilumina a aresta
do que penso quando passaste
de dia e que a noite me chamou
enquanto serves sorrisos ao jantar

 

06.06.23

Soma mais este momento, meu amor
que desfio as mãos por baixo da camisola
e te escovo as costas macias e os longos cabelos
como crina de cavalo

No ínicio éramos pacíficos e lagos
parados em dias de sol ardente
depois vencemos os trezentos espartanos

no desfiladeiro escuro do preconceito
passando aos debates e protestos em
assembleia geral nos lençóis de linho fresco

que te aconteceu, sorris mais, a tua boca
é mais diversa que um mercado marroquino
teu beijo flui como correntes águas do Niágara
eu que nunca visitei o Niágara digo-te que já lá fui através de ti
meu Niágara.

parti para ti como quem parte
para uma partida de xadrez
que vontade dolorosa encurralar-te já
cresço-me supero-me empertigo-me
antúrio à procura da orquídea erótica
soma mais este momento, meu amor
somos anónimos milionários não digas a ninguém
o verme logo invade a rosa ao florescer
no fim viajámos mais um no outro
que falsos filantropos trilharam o mundo

mas não me sai do pensamento
a tua boca livre e o seio à solta

31.05.23

Lua.jpg



Tão bela és tu, ó Lua

que luz criminosa emanas
seduzindo poetas
reclamando para ti no céu
exclusivo foco fútil de
estrela de Hollywood

de vestido branco transparente
tu, filha de uma de muitas amantes
do divino deus dos deuses
mãe do crime e escuridão
criadora das sombras
que seduziu o vaidoso
sol para que viesse
vê-la num dia
que a noite durasse
eterna e maligna

contemplo-te, uivo-te
um soneto de sangue azul
que sangrei para ti
dá-me estímulo e luar
às pobres rimas baças
tu que andas de volta
das tuas armadilhas
pergunto, que animais caças
agora no século XXI

só os poetas não te possuem
ó dona infiel do luar
depois que te vejo vejo-me
ao espelho e parece que vi
um fantasma, que feitiço
o teu de me anarrares os olhos
com rede impalpável
e atenção intraduzível

olho o teu decote e o
mármore milenar é uma
armadilha, impossível
de soltar-me mesmo que
me debatesse ó musa
que nos admiras melancólica
de boca aberta por onde escorre
um fio de baba azul de prata

quantos anos tens, bela criatura?
és demasiado nova para mim
és demasiado cheia para mim
um dia morrerei e ficarás
entalada nos portões do céu
pintado de preto infinito
com vestido de plumas de plasma
que sorte tem o teu alfaiate
para saber-te as medidas
toca-te, apalpa-te, sente-te
mede-te, admira-te, contempla-te
e o vestido preto é uma
ode, esta ode que te escrevo
que não chega para atrair-te
uma noite que estivesses
húmida e tirasses o vestido
e brincasses comigo
lúcida à cabra cega

30.05.23

Vem amor, espero-te no altar menor
Eu, príncipe das Trevas, do sangue e ar
vigiado pelos olhos sinistros das gárgulas
à luz trémula de círios incrédulos

vem, amor, esperam-nos no submundo
no reino da hipnose e histeria imateriais
novos deuses conceberam  
um novo Olimpo de etéreos glaciares

vem, os deuses de hoje aguardam-nos
são homens líricos e lobos ferozes
colecionadores antigos de almas
alquimistas da velha verdade nova

vem que descobri esperança na Morte
deusa verdadeira do invísivel
impalpável mundo de vidro e cinza
imprevísvel espaço de sopro e vácuo

põe lençóis brancos na música que ouves
oculta por favor os versos que escreveste
são jóias colocadas em veludo preto
há crime original do reino da Arte

pois que o talento pede pão à porta
mendiga onde a porta nunca se abrirá
em cada rosto um pássaro aprisionado
vem amor, o submundo é perfeito

a verdade vestido de andrajos enlouquece
mendiga nas ruas da imundície e grita
não podes vencer o império da imagem
onde a moral se prega e nada se pratica

o culto do inculto a sedução do abismo
o ar envenenado, a água contaminada
o indirecto patrocínio da ignorância
esta tristeza não reter a vida inteira

o optimista produz no vácuo o vazio
é realizador de filmes de coisa nenhuma
onde o guião escrito é um papel em branco
vem, amor, o submundo é justo

 

26.05.23

 

Se o amor marcar encontro então que venha
cansei-me seguir-lhe o rasto críptico
levanto-me de manhã e beijo as faces
da Saudade, quem me encontrou primeiro
numa viagem rumo ao infinito

faço-lhe sonetos ao pequeno almoço
chamo-lhe nomes meigos, e no conforto
da preguiça felina volto aos lençóis
fechando livros do passado, no aconchego
deste amplexo ausente de gravidade

apresso-me a sair de casa, à procura do jornal
editado pelos rostos dos outros que se cruzam
comigo e nunca falham, em falhar-me
no cumprimento cordial de sol empreendedor
sem anomalia cognitiva

não vou punir-me mais porque deixei
lembranças nos versos escritos em papel
de lábios, de boca fecunda, em tinta
onde entornei tanta ternura
esparsa, sem complexo compromisso


a chuva nevrálgica fustiga o telhado
o cume da metáfora idílica incomparável
o aglomerado arvoredo entre as casas brancas
o guincho metálico da grua esquálida
o princípio do poema sem meio e fim

ando de um lado para o outro e a musa
não acorda e o amor é esta brancura por
explorar, terra incógnita, de floresta densa
do desonhecido íntimo que, incediada
arderá em verso igual ao coração.

e quando o sol entorna oblíquos raios
enterneço e caio na cadeira onde me
sento e canto as linhas verdes desta serra
onde de súbito, saída do silêncio
vem sentar-se ao colo a gata Solidão

 

25.05.23

a rapariga loira de olhos azuis
tentou abrir a porta mas ficou
com o puxador na mão

a porta era do meu coração

o verdadeiro amor
tem o odor do mar
amar sabe a dor

sóbrio seguro
a mão inseguro

da solidão

os olhos azuis

são microscópios
do mar onde navios
vindos do oriente trazem

versos lúcidos
de rara beleza

a floresta cerrada
adensa-se perante mim
de noite é tinta preta

fim

 

 

 

 

 

 

19.05.23

tarde-no-chiado.jpg

A clara luz do dia
fazia a sombra da infância
irreversível

sentir não é ofício
iluminaram-se versos como
sorrisos de rostos tristes

saídos da penumbra do
elevador cheio de lírios
não é meu amor, não é meu amor

senti a tua mão branca
longe da minha
como este roseiral

me lembra a minha avó
o salgueiro perfila-se
como mordomo do palácio

à porta a receber-me
pode entrar, meu senhor,
pode entrar, não vou entrar

deixe estar, ficarei cá fora
da vida sempre, a ver o que
se dissolve em água e não se bebe

recorda-se, um rolo de fumo
ou amistoso melro colando
a sombra dele à minha sombra

para onde vais, diligente
negro mensageiro, não piarei
junto às raízes das árvores

a pobre gente atravessa
o rio negro que tanta gente engole
a anomalia das luzes

e das fíguras e polignos
de arestas alinhadas entre
outros prismas e esferas

as várias maneiras de fumo
a sair de bocas oblívias
expelidos em anéis de vício

e ao longe entornarei
o olhar ávido sobre a rapariga
de cabelo apanhado e calças injustas

(ou não) de pernas elásticas
de maleável juventude
ó cisne inquebrantável

amor maior ser menor pintor,
o pincel a mente, talento a
memória, o coração ávido a vida

 

05.05.23

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uma gata deitada no sofá,
vestida de céu descoberto
que me viesse ela parar ao colo...

os lábios mexem-se sensuais
procuram silêncios mordidos
pela penumbra do quarto

um livro atirado ao chão:
esperou por mim, lá fora
o vento sopra delinquente

o látego sacode-lhe a cauda
mostrando o perigo da
curva e contra curva

alinham-se cartas e astros
entrechocam-se peitos
os olhos fecham-se, abrem-se os sonhos

num beijo fálico que desagua
no rio Tejo, por onde mais
não se desce, o mar

esse beijo-o, ostra à mostra
prostra-se em posta
na durabilidade da língua

devagar se fazem impérios
num ápice desmancham-se prazeres
a Morte que fique à escuta atrás da porta

escrevi sonetos

na pele de leite e rosas
com dedos humedecidos

procuro-me no perfeito
encaixe, redimo-me,
no ir e vir de chuva e fogo

no revirar dos olhos
sacudo-me inteiro
depois que exorcisei o remorso

onde está a gata sentada
que era outra quando entrei
no quarto escuro dela

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